... Em sentimentos que envolvem o universo feminino, pois “Não se nasce mulher: torna-se.” (Simone de Beauvoir)
A dualidade de sentimentos que envolvem o Universo Feminino.

São tantos os sentimentos em busca da identidade feminina, cujos contratempos das emoções transbordadas vão do êxtase secreto à cólera explícita...

Esse blog é um espaço aberto acerca de relatos e desabafos relativos as alegrias e tristezas, felicidades e angústias... Sempre objetivando a solidariedade e ajuda ao próximo.

domingo, 2 de agosto de 2015

A chave da prisão emocional...

"Cada pessoa é um mundo. Cada pessoa tem sua própria chave e a dos outros nada resolve, só se olha para o mundo alheio por distração, por interesse, por qualquer outro sentimento que sobre nada e que nos é vital, o 'mal de muitos' é consolo, mas não é solução." (Clarice Lispector in A Bela e a Fera)


O encontro era inevitável, pois estávamos diante de um rito de passagem importante. Cansada de uma semana esgotante, com inúmeras responsabilidades pendentes, tive que me concentrar neste rito e com a inerente expectativa de êxito para a finalização de mais um ciclo. Apesar, do encontro doloroso de um passado que tento incessantemente esquecer. 

Do alto da ladeira dos fundos, sinto um olhar em minha direção sem que eu o reconheça, por segundos, até a certeza de quem era. Surpreendida com as mudanças que o tempo imperioso foi capaz de marcar, vislumbro um homem totalmente diferente daquele que um dia fui capaz de amar. Pois, seu envelhecimento foi implacável em tirá-lo toda a beleza.

Sinto uma imensa compaixão por ele, que muito me entristece, ao constatar a sua aparência desgastada pela pele curtida do sol em demasia e enrugada, os cabelos ralos e sem saúde, os braços atrofiados pela ausência muscular, o corpo disforme apontando muito mais idade do que a real maturidade dos quase finados anos cinquentenário. 

Não somente, a decadência física foi capaz de me surpreender, mas a opacidade dos seus olhos, cuja vivacidade era impulsionada pelo tique nervoso das piscadelas involuntárias. O tempo levou o seu brilho no olhar, denotando a infelicidade presente de um homem a beira da decrepitude. Apenas, a arrogância se mantém inabalada pela mira certeira do seu encarar. Sem que eu conseguisse em um só momento cruzar-lhe um olhar seu com ternura.

A dureza de sua postura, comprova seu sadismo em regojizo por minha derrota. Meu envelhecimento fulminante é visível, pelas dores que carrego ao lutar dia-a-dia contra a melancolia e atravessar uma sobrevivência abaixo da minha dignidade social. Enquanto, ele se refastela pelo conforto de um padrão de vida muito superior, jamais compartilhado comigo, em patrimônios, urbano, campestre e marítimo.

O corte emocional foi certeiro, esvaindo todo o meu afeto que advinha de uma admiração pretérita, deixando-me nauseada, quando o observava no afastamento local pela subserviência aos domínios das ligações e mensagens impertinentes de quem nos desagregou e, o comprou. Logo, um desprezo tomou meu âmago e tive vontade de desaparecer sem alardes.

As cargas do sofrimento ainda doem. Principalmente, quando sou humilhada pela interferência alheia que insiste em me tripudiar. Parece que não cessa nunca essa dor tão profunda. Talvez, bastasse um ato de dignidade em assumir sua covardia e me suplicar perdão. Porém, a crueldade o impede. Então, reajo em críticas ácidas que me diminuem como pessoa.

A noite cai, o ritual festivo acaba e afogo minhas mágoas solitariamente no entorpecer da champanha negociada na tentativa de vomitar todos esses sentimentos repulsivos que me sufoca. Anos antes, o inebriar da bebida me traria uma noite com o adormecer de pernas entrelaçadas. Agora, durmo com o cansaço do pranto.

Contudo, penso, que não o encontrarei tão cedo até me recuperar da ressaca emocional e esquecê-lo. Mas, eis que ele leva a chave, num signo de invasão territorialista, sem jamais me deixar em paz. Bato a porta e, rumo sem destino, numa tentativa desesperada em evitar o encontro que se dá infrutiferamente. Pois, me deparo com ele e sigo pela ruela solitária com minhas lágrimas amarguradas em dor.