... Em sentimentos que envolvem o universo feminino, pois “Não se nasce mulher: torna-se.” (Simone de Beauvoir)
A dualidade de sentimentos que envolvem o Universo Feminino.

São tantos os sentimentos em busca da identidade feminina, cujos contratempos das emoções transbordadas vão do êxtase secreto à cólera explícita...

Esse blog é um espaço aberto acerca de relatos e desabafos relativos as alegrias e tristezas, felicidades e angústias... Sempre objetivando a solidariedade e ajuda ao próximo.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Mulher às avessas, Buarqueana...

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Quando olhaste bem nos olhos meus
E o teu olhar era de adeus
Juro que não acreditei, eu te estranhei
Me debrucei sobre teu corpo e duvidei
E me arrastei e te arranhei
E me agarrei nos teus cabelos
No teu peito, teu pijama
Nos teus pés ao pé da cama
Sem carinho, sem coberta
No tapete atrás da porta
Reclamei baixinho
Dei pra maldizer o nosso lar
Pra sujar teu nome, te humilhar
E me vingar a qualquer preço
Te adorando pelo avesso
Pra mostrar que ainda sou tua
(Atrás da Porta - Chico Buarque)


"O Homem para Lacan é um imbecil, literalmente, porque ele faz dupla referência fálica. Ele só pensa com o gozo fálico, seja com o Falo simbólico, seja com o Falo imaginário, porque ele cria uma estranha fantasia de que eles se relacionam, de que um representa o outro, e de que há uma equivalência fantasmática ao pênis. (...) Então, quem faz o Homem se confrontar com o heteros da discórdia, com a diferença sexual, com o sexo que não é seu? É uma mulher. Por isso que Lacan diz que ela é uma 'idiota', pois ela inventa a sua diferença, quando ela poderia, talvez, reinar sozinha porque ela vai ao Homem e mostra ao Homem que existe algo que não é fálico. (...), o Homem tem uma mulher como sintoma, então heterossexual é quem ama as mulheres" (Antônio Sérgio Mendonça, in Lacan com Freud: A cultura e o mal-estar civilizatório)



Ninguém foi mais íntimo no âmago dos sentimentos femininos do que Chico Buarque, quebrando o paradigma Freudiano sobre as mulheres. Chico sabe exatamente o que quer uma mulher, mesmo diante do binômio Lacanianamente impossível, ser Amada e Desejada simultaneamente.

Assim, essa Mulher Buarqueana, tão bem interpretada por Elis, não acredita; estranha e duvida que aquele homem lhe diga adeus. Pois, ela esquece da diferença; enquanto que o homem dá amor para conseguir sexo e, preenchido da falta, irá buscar outras para se satisfazer.

No auge da dor e do sofrimento pelo abandono, a Mulher, encolerizada, o agride, xinga, mas totalmente indefesa se vê  às avessas...

"Nunca fui capaz de responder à grande pergunta: o que uma mulher quer?" Freud

domingo, 27 de novembro de 2011

O gozo das paixões...

"Falta apenas o golpe da graça
- que se chama paixão."
Clarice Lispector

O mar estava calmo e uma brisa morna adocicada acompanhava meu caminhar vagante. A cada passo na aspereza da areia fresca, pontuava meus pensamentos em pequenas e esfuziantes lembranças da noite passada. Era, uma mistura de preenchimento do meu coração cansado pelas tantas tentativas de ocupação, com uma breve saudade, cuja emoção me provocava sorrisos solitários.

Naquele balanço das ondas quebradas no caminho, era difícil manter o equilíbrio pelas melodias que somente eu desfrutava, num pequeno aparelho que me conectava a estética reservada para cada momento vivido. Lembrei-me das paixões afogadas do passado, numa nostalgia que se apagava pelos raios de sol daquela manhã fulgurante.

Aquela liberdade me alimentava o narcisismo refletido no espelho d'água. Completamente solta, ia quase flutuando pela leveza da minha alma preenchida pelas paixões. O que pesava antes, era o vazio e, me deixara inerte pregada no limbo, afundando as esperanças.

Aos trancos e barracos ressurgi para aqueles momentos felizes; do cheirar meu pescoço me provocando arrepios, do toque da mão na minha pele macia, dos dedos deslizando pelos meus cabelos, dos olhares penetrantes que invadiam meu interior, dos lábios delirantes na troca das salivas geladas, do tilintar dos cubos de gelo do brinde, do dedo na boca para calar o medo, dos abraços apertados... E, ia revivendo-os pela trilha marinha.


Pois é, meu coração agora, apresentava todas as suas gavetinhas dos cofres emocionais, abertas, para cada paixão errante que completasse aquele vazio. O amor, talvez, fique guardado no baú empoeirado para sempre. E, assim, que a melancolia me chamar, vagarei nas lembranças longínquas do pretérito imperfeito. C. Garcy

sábado, 26 de novembro de 2011

O Adeus de Flora... E, a Chegada de Anna !

Flora já fazia parte do meu inconsciente, como diria Freud e Jung...



Sonhei com aquela Mulher Absurda de Camus que não suportou a frustração de perder Ed, quando na verdade nunca o teve. Assim, como Nina, nunca fora capaz de detê-lo e aprisioná-lo em suas teias cartesianas.

Flora era o subterrâneo dos desejos efêmeros de Ed, em sua fragilidade emocional e descontrole diante das adversidades. Embora, diante daquele delírio de personalidade, ela era capaz de revelar um dos segredos mais profundos dele, que procurava a todo custo esconder, a fragilidade e insegurança de ser aceito. Pois, apesar de sua brutalidade e agressividade, existia um Ed frágil, camuflado e descontente. Assim como, da coragem que escamoteava seu temor diante da vida.

Nina lhe manipulava com sua doçura e falso conformismo, totalmente enigmática, aflorava em Ed a dúvida de ser aceito. Haja visto, que nunca a perdoou pela morte de Flora, cujo desencadeamento de um remorso tão profundo e doloroso, foi o suficiente para pressioná-la contra a parede na certeza de que jamais Nina abriria mão de seu mundo em face do homem amado.

Assim, Ed se despede de seu Espelho Lacaniano em Nina, no qual refletia sua volúpia de narcisismo. Mas, que como no suicídio de Flora evapora-se como éter, demonstrando que com a dor da culpa amadurecera num só instante.

Talvez, Ed, nunca tenha se dado conta do fechamento de mais um ciclo de sua vida, mas que fora pontual ao prepará-lo para o amor de uma Mulher tão Absurda quanto Flora, compassiva diante das dores do mundo. A legítima Mulher Revoltada de Camus, em que carregava a doçura de Nina, com o glamour compartilhado sem manipulá-lo e, nem lhe exigindo nada que não fosse o amor.

Essa mulher, detinha Ed com toda sua insegurança, porque seu coração conseguia abrigar todos os seus medos e fragilidade. Uma mulher culta e de vanguarda, ao avesso de ambas amantes que não foram capazes de adentrar nos meandros daquele homem frágil e viril.



Chorei por Flora, afinal todos temos um pouco dela...

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

25 de novembro... Dia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher !






"Atroz contradição a da cólera; nasce do amor e mata o amor." Simone de Beauvoir





Quantas mulheres são vítimas de violência e, nem se dão conta. É o olhar reprovador, o comentário maldoso, a situação de constrangimento, as grosserias, as cobranças sexual como obrigação e os afazeres do lar, o ciúme infundado como coação da liberdade...

É no subterrâneo da violência psicológica que incide o assédio moral, aonde mulheres são indefesas e vulneráveis. Sendo, destituídas da dignidade como indivíduos, apagadas em sua auto-estima e sufocada pelas ameaças.

E, preocupadas com a família, se calam, amargurando culpas absurdas impostas pelos seus algozes. Mas, essa violência se estende aos filhos, adoecendo-os psicologicamente. Portanto, o homicídio ou a surra é o último estágio de uma violência contumaz velada, embotada e contínua que paralisa as vitimas.

Assim, seguem solitárias em seus sentimentos abrindo mão de seus desejos, objetivos e planos individuais, em troca da ilusória condição do esteio familiar. (C. Garcy)

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A incapacidade do invejoso...


"É a zona obscura na qual a nossa maldade consegue ir adiante e corromper os pensamentos mais puros. A inveja é um sentimento em encruzilhada, um ponto de trânsito aonde se chega de outras experiências e do qual se parte para atingir outros sentimentos." (F. Alberoni in Os Invejosos)

"A inveja é o sentimento raivoso de que outra pessoa possui e desfruta algo desejável – sendo o impulso invejoso o de tirar este algo ou de estragá-lo. Além disso, a inveja pressupõe a relação do indivíduo com uma só pessoa e remonta a mais arcaica exclusiva relação com a mãe." (M. Klein in Inveja e gratidão)

Há pessoas que são incapazes de nutrir sentimentos genuínos, de amor e compaixão. Portanto, sua baixa-estima e seu recalque são o combustível para invejar dos desavisados que caem como presas na teia desses indivíduos desprovidos de afeto.

Assim, não se contentam em almejar as qualidades e as virtudes de suas vítimas, necessitam caluniar e difamar os invejados, inventando as mais absurdas mentiras até arruiná-los. Mesmo, cientes de que nunca terão competência de possuir o objeto desejado.

Silvia é uma dessas pessoas que não contente em retirar de Claudia o objeto invejado, ainda quer ir além, numa contínua perseguição incessante. Não lhe basta a vitória do furto, ela deseja mais e mais... É como se quisesse a alma da outra, daí a sua incansável idéia fixa de tomar o lugar de Claudia.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

As vezes, num caminho sem destino nos deparamos com supresas inesperadas...


"Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento." 
Clarice Lispector



Caminhando aleatoriamente, numa tentativa de distrair a solidão, deparo-me com aquele olhar penetrante. Abrimos um largo sorriso preenchendo as saudades dos encontros de outrora, os braços se abrem para um abraço apertado. Posso sentir o perfume cítrico amadeirado com um frescor intenso, como de um mergulho no âmago. A satisfação da surpresa é correspondida de imediato, através do brilho dos olhos negros de Yuri.

Um ano, havia se passado desde o nosso primeiro encontro no mesmo lugar. Ele permanecia com a mesma aparência primaveril de um encantamento sutil e abrangente, apesar da idade. Eram tantos assuntos esperando pelo compartilhamento das idéias que precisamos de horas que não foram suficientes, deixando uma brecha para outros encontros.

Sedutor e elegante nos elogios, meu ego subiu às alturas como de uma adolescente carente, e vinha aquela sensação de completa plenitude. Em sua generosidade inesgotável, mesmo ciente da nossa divergente posição moral, não é o suficiente para afastar a força de nossa afinidade. 

Trocamos confidências catárticas das nossas dificuldades vividas, das frustrações, das dores da alma e ainda, dos nossos relacionamentos fracassados. Mas, também, falamos dos planos almejados, com troca de aconselhamentos.

De uma sensibilidade pontual, revelou-me que habito seus momentos oníricos, aonde permaneço presente em seu inconsciente durante esse tempo, desde que nos conhecemos. Sublimando assim, a minha ausência física. Acho que não há paixão, mas amor na maneira mais genuína como forma de amizade.

Por mais que as pessoas, se aproximassem nos cumprimentos, Yuri não desviava o olhar sequer de mim. É como se eu estivesse sendo velada por admiração. Vez enquando, aproximava dando-me as mãos, num gesto de carinho com um sorriso terno. E, portanto a noite transcorreu num instante... Na despedida, outro abraço apertado prolongado, com promessa de mais assuntos para outra vez.

Nada é por acaso...

"Em sua obra "Psicopatologia da Vida Cotidiana", Freud mostrou que os atos cotidianos de esquecimento, "falhas" e transposição de palavras, não são inteiramente "acidentais" e revelam muito mais do que os atos normais. Um "ato falho" tem um valor revelador de algo inconsciente que o paciente teima em ocultar. Resulta sempre de uma "falha" de seu poder de controle e de simulação.

Ato falho (parapraxia) — Em psicanálise, atos falhos são um conjunto de fenômenos que se produzem no momento em que um indivíduo se exprimir ou proceder diferentemente do que tenciona fazer. (...) Para Freud os atos falhos são formações de compromisso, que nascem da oposição de duas tendências ou intenções concorrentes, uma das quais é manifesta (ou aparente) e a outra é latente (ou inconsciente). Através do ato falho o indivíduo resolve este conflito, manifestando de maneira deformada a tendência latente." (História das Psicoterapias e da Psicanálise de Nelson Valente)
 
Por duas vezes seguidas, Alfredo esqueceu seus objetos pessoais no seu antigo lar conjugal, quando da visitação aos filhos. Partindo do princípio desses esquecimentos, pode-se analisar a questão do ponto de vista dos atos falhos desse homem arrependido agora, lançando sinais para a ex-mulher abandonada.



Todavia, não se trata de qualquer objeto irrelevante e, sim de um objeto necessário e significativo. Pois, Alfredo deixou para trás duas vezes a "necessaire" contendo produtos de valia útil para a sua vaidade. Foram deixados um aparelho de barbear e instrumentos de colagem  dentária para seus  provisórios do tratamento de implantes. Insignificantes, se não fossem tão importantes, eis que uma das suas maiores preocupações era justamente a da aparência.

Talvez, a questão ligada tanto a face, quanto a boca, fosse uma tentativa de dizer algo à Sandra. Isso, correlacionado a quem deu de presente aquela necessaire, em que ele não estivesse mais satisfeito.

Como se não bastasse, ainda foram esquecido uma calça e roupa íntima. Numa frontal mensagem de que Alfredo procurava equilíbrio junto à Sandra e, que a questão sexual ainda, travava um desencontro entre aquele ex-casal.

Na verdade, existe um desejo oculto que traz no esquecimento do jeans e da cueca uma defesa do ego, representando algo ainda conectado ao passado que não está totalmente resolvido. Pode-se imaginar, que Alfredo sinta-se desequilibrado pela falta do casamento, com relação ao sentimento de Sandra e, também demonstrando que não está feliz em sua vida sexual, desejando novamente a ex-mulher.

No contraponto, o esquecimento de seus pertences de higiene pessoal, seja além de se sentir impuro, sujo, uma maneira de dizer que Sandra é pura e limpa. Diversamente de seu mundo longe daquele lar.

Efetivamente, os laços entre ambos continuam ligados e há uma demonstração de marcação de território, junto ao objeto do desejo, o Outro, ou seja, Sandra.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

O homicídio psicológico...

"Quando se trata de discutir a verdade (...). Os protagonistas dificilmente resistirão à tentação de recorrer a outros meios, mais efetivos, que não a elegância lógica e o poder persuasivo de seus argumentos. Em vez disso, farão o possível para tornar os argumentos do adversário inconseqüentes, de preferência inaudíveis ou, melhor ainda, jamais vocalizados, pela desqualificação daqueles que, se pudessem, os vocalizariam. Um argumento que tem grande chance de ser apresentado é o da inelegibilidade do adversário como interlocutor pelo fato de ele ser inepto, mentiroso ou inconfiável, malintencionado ou claramente inferior. (...) a recusa em conversar pode passar por um sinal de que se "tem razão", mas para o lado oposto a negação do direito de defender sua causa que essa recusa acarreta, e conseqüentemente a recusa em reconhecer seu direito de ser ouvido e levado a sério como um portador de direitos humanos, constituem as maiores afrontas e humilhações — ofensas que não podem ser aceitas placidamente sem que se perca a dignidade...

A humilhação é uma arma poderosa — mas do tipo bumerangue. Pode ser usada para demonstrar ou provar a desigualdade fundamental e irreconciliável entre quem humilha e quem é humilhado. Mas, contrariando essa intenção, ela de fato autentica, verifica a simetria, a semelhança, a paridade de ambos." Zygmunt Bauman in Amor Líquido



Era tão difícil discutir a verdade com Renato, sem a distorção dos fatos, por conta da sua desenfreada manipulação em me imputar a culpa, a fim de justificar suas inúmeras mentiras e traições. Mesmo, diante de todas as provas indubitáveis de sua farsa, ele não hesitava em me acusar e negar seus casos extraconjugais contumazes. Sempre, me induzia, a erro como se eu fosse a louca ou a delirante. Evitando contundentemente, me ouvir ou conversar sobre o assunto.

Abatida, sem auto-estima, magoada e esgotada num pranto infindável, escuto o veredicto da Dra. Samira:

- Entenda de uma vez por todas, Clarice, sua situação foi de um homicídio psicológico doloso, ou seja, intencionalmente, era para ter consequências bem piores. Até que você foi forte em ter conseguido sobreviver a essa situação doentia de insalubridade psíquica do Renato. Nesse caso a mentira compulsiva é um sintoma de uma patologia.

O Casamento como uma instituição do Amor...

"Raramente, ou melhor, nunca um casamento evolui a um relacionamento individual de forma serena e sem crises. Não há conscientização sem dores" C. G. Jung in Sobre o Casamento


"A sexualidade normal como uma vivência conjunta e aparentemente de mesma diretriz fortalece o sentimento de unidade e identidade. Esse estado é definitivo como harmonia completa e louvado como uma grande felicidade ("um coração e uma alma"); e com razão, pois o retorno àquele estado inicial de inconsciência e unidade sem consciência é como um retorno à infância (daí os gestos infantis dos enamorados) e muito mais, como um retorno ao regaço materno, aos mares cheios de pressentimentos de uma plenitude criadora ainda inconsciente." C. G. Jung in Sobre o Amor

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Aquele sofrimento se curava com as dores...

"Existe apenas um único problema filosófico realmente sério: o suicídio. Julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida significa responder à questão fundamental da filosofia" Albert Camus in O Mito de Sísifo



Aquela angústia estava novamente lá, me sentia impotente diante dela, culpada quando a preenchia em lapsos de falsa alegria. A compulsão literária me disfarçava o fracasso que entre páginas e mais páginas, livros e mais livros, a procura desenfreada de uma explicação para o tormento da alma.

Quanto mais me aproximava da razão, mais caía em tristeza. Talvez, não haja cura para essa ferida que ardia o peito com fisgadas profundas. Mesmo assim, eu ia adiante para buscar um possível conforto ou até, uma ilusão alcalina para apagar o ácido corrosivo da dor

Abri a porta, mas o olhar de Elton se dissipou evitando-me o encontro da imagem. Ele entrou como se eu não existisse, ou nunca, tenha existido. No passar dos minutos vem o olhar de encontro ao meu. Mas, era um olhar fitado de ódio, suas pupilas dilatavam de ira transbordando o desejo avesso da minha imagem. 

Aquilo era como um golpe de punhal afiado que esquartejava minha alma. Sua presença nauseante fazia-me sofrer o resto de sofrimento que eu nem sabia que ainda tinha. Não esgota-se a dor com novos sofrimentos. E, ela permanece ali, pungente e ardente, pronta para torturar-me até o limite infindável.

Pensei, como não sou livre para voluntariamente por fim no sofrimento, aquele desejo de finitude não me deixava em paz. Não restava mais nada a fazer contra a angústia da frustração. Não dei certo, não faço falta alguma ao mundo, não preencho sentimentos aos demais, não quero mais existir... A pedra levada ao cume de um peso insuportável, como uma metáfora do esforço incessante de superar as perdas, nunca ficava lá. Ela rolava novamente ladeira abaixo para que eu novamente exausta a levasse ao topo.

Agora, já não tenho mais forças e mesmo em sonho, ela rola desenfreadamente sem que eu consiga alcançá-la. E, vejo como é inútil lutar contra esse destino imposto sem consulta aos meus sentimentos.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

A minha cegueira vinha do medo da escuridão...



"A escuridão não constitui a causa do perigo, mas é o habitat natural da incerteza – e, portanto, do medo. (...) Outros são de natureza mais geral, ameaçando a durabilidade da ordem social e a confiabilidade nela, da qual depende a segurança do sustento (renda, emprego) ou mesmo da sobrevivência no caso de invalidez ou velhice." Zygmunt Bauman in Medo Líquido



De repente, me deparo com aquele quarto escuro em total ausência de um mínimo ponto de luz sequer. Aquelas trevas me davam medo e logo, percebi o quanto tinha por ainda, temer.

Já não havia mais alguns medos, como andar de metrô, perder alguém, ficar doente e desamparada. Esses foram superados pelo sofrimento vivenciado em sua liquidez e pelo conforto da terapia. Porém, àquela sensação de vazio e pulsão da morte, ainda pairava na mente por alguns estalos repentinos.

A contradição vinha do desequilíbrio das emoções, ora estava em plena harmonia com a mulher absurda suicida cansada pelas frustrações, ora com o pavor da finitude pela ansiedade da felicidade que talvez chegasse um dia.

Que tolice ! A felicidade não chega plena e concreta, ela é abstrata. Pois, são apenas momentos voláteis. Donde regozijo em um simples caminhar contra a brisa marinha ou respirar o aroma verde do campo, num conto literário-filosófico, na arte, no compartilhamento de uma realização de um ente querido, no alcance de um objetivo, num encontro, na troca de beijos apaixonados, no participar da cama, nas datas festivas, no nascimento de um filho e, principalmente no afeto recebido.

Portanto, são tantos breves momentos felizes, mesmo no pretérito que deve ser a escuridão me cegando as lembranças. O medo, é o da nostalgia de não conseguir vivê-los novamente.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Mãe ! Chama meu Pai...



"Assistimos hoje a um acontecimento que talvez não tenha precedente na história, que é a dissolução do grupo familiar. Pela primeira vez a instituição familiar está desaparecendo, e as conseqüências são imprevisíveis. Impressiona-me que os sociólogos e antropólogos não se interessem muito por esse fenômeno. Nesse processo, podemos constatar que o papel de autoridade do pai foi definitivamente demolido. Antes, o menino tinha na figura do pai um rival e um modelo. Um rival que despertava nele o gosto pela competição e um modelo na busca do prazer sexual. Já para a menina, tratava-se de um homem em quem ela procurava se completar. Hoje, com o declínio da figura paterna, nossos jovens podem estar menos propensos a batalhar pelo sucesso, a estabelecer um ideal de vida e até a descobrir o gosto pelo sexo." (Charles Melman, Revista Veja 2008)


Desde que seus pais se separaram, Bruno, vem manifestando comportamento diverso do seu normal. De tranqüilo passou a ser agressivo, de generoso a egoísta, de emotivo a frio e por aí, vão, todas as suas qualidades e virtudes se transformando em defeitos visíveis.

Não somente, a separação dos pais foi o suficiente para modificar Bruno, mas a ausência paterna que retirou seus limites e provocou revolta ao jovem. Um dos maiores termômetros da dor afetiva desse filho está na somatização. Pois, de saudável, agora Bruno, encontra-se doente, já não consegue lidar com as frustrações e os problemas sem adoecer fisicamente.

Quanto mais sente a falta do Pai, vêm uma alergia e, depois uma gripe, enjôos, mal-estar, febre, até chegar a uma pneumonia. Cujas idas ao pronto socorro restaram comuns, numa maneira de demonstrar a dor de sua alma em vão. Eis que, nenhuma das vezes recebeu a visita paterna. Num sinal de descaso e falta de carinho pelo filho.

Vivendo sob a guarda da mãe e tendo o pai como referência mínima, esse jovem começa a desenvolver além, das enfermidades a mais danosa em sua idade, a depressão.

Nada mais o atrai ou satisfaz, não se entusiasma pelo futebol, pelo cinema, saídas com os amigos, ida ao clube e nem mesmo interesses pelas jovens é capaz de atraí-lo à beira de completar sua maioridade. Já não tem preocupação com a aparência, higiene e passa longas horas dormindo. Suas responsabilidades são realizadas com muita dificuldade e, nem mesmo o tocar vespertino de três despertadores é o suficiente para tirá-lo da cama para o colégio.

Os cuidados maternos não foram o suficiente para preencher o abandono paterno de Bruno, cuja angústia o atormenta o peito pela falta. Talvez, se a ausência do genitor fosse pelo luto do falecimento não teria causado tanto dano psíquico. Porém, estar ciente da presença ausente de um pai que ignora as deficiências afetivas do filho, foi o maior dos sofrimentos vivenciado.


segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Em tudo há prazo de validade...

"Lembrei o Eclesiastes. Que me dirá esse tesouro de sabedoria?
— Todas as coisas têm seu tempo, e todas elas passam debaixo do céu segundo o termo que a cada uma foi prescrito.



Há tempo de nascer e de morrer.
Há tempo de plantar e tempo de colher.
Há tempo de enfermar e tempo de sarar.
Há tempo de chorar e tempo de rir.
Há tempo de destruir e tempo de edificar.
Há tempo de afligir e tempo de se alegrar.
Há tempo de espalhar pedras e tempo de as ajuntar.
Há tempo de guerra e tempo de paz.




Assim fala o Eclesiastes. A cada coisa um tempo: eis tudo. Qual será o tempo desta coisa? Qual será o tempo daquela? Tal é a dúvida, tal é a incerteza.
Destruo agora; quando edificarei? Aflijo-me; quando me hei de alegrar? Semeio; quando hei de colher? Virá o tempo para isso... Quando? Não sei! A certeza é uma: a certeza do presente; a da destruição, a da aflição, a da plantação. O resto — mistério e abismo."

(Machado de Assis, in Felicidade pelo Casamento)

No fundo do baú emocional...


"Não era do homem de cinqüenta anos que eu tinha saudade; não era daquele justo sem justiça, de arrogância desconfiada e rigorosamente mascarada, que rasgara meu coração ao consentir nos crimes (...).



Tudo me dilacerava: aquela miséria, aquela infelicidade, aquela cidade, o mundo, e a vida, e a morte."
(Simone de Beauvoir in A Força das Coisas)

  

Ressuscitada do luto, vagava a leve lembrança de poucos momentos harmoniosos que foram insuficientes ao fiel da balança, aonde a força das coisas pesaram mais intensamente.

Aquele relacionamento não me servia, mas as compensações da casa cheia pela troca de sentimentos da família me bastavam. Foram datas felizes que ficarão sempre no fundo do baú emocional. Em que na bagunça do meu coração resguarda gavetas, a cada membro amado, daquele núcleo conturbado de relacionamento.

Na verdade a ausência daquela união, só se fazia presente nos encontros festivos. Os quais foram capazes de me segurar durante anos a fio, num falso desejo alimentado pelos delírios intermitentes de um dia chegar à Meca da felicidade plena e segura. E, agora, evaporava com a morte do Outro. 

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Amor... Simples assim...


"Onde o amor impera, não há desejo de poder; e onde o poder predomina, há falta de amor. Um é a sombra do outro." 
C. Jung

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Além, da traição...


“A infidelidade é uma quebra de confiança,    a traição de um relacionamento, o rompimento de um acordo” 

(PITTIMAN, in Mentiras Privadas)


 
De um assunto sobre relacionamentos passados, vem à baila a estória de um dos casamentos desfeitos de João. Atenta ao semblante do desabafo, em que me é exposta a sua dolorosa experiência vivenciada no passado marcante. Escuto estarrecida, não somente por se tratar de um mero deslize extraconjugal, mas sim, da sórdida tríplice combinação Infidelidade - Traição - Deslealdade. Ocorrida entre sua ex-mulher e seu amigo mais íntimo debaixo do próprio teto conjugal, sobre os lençóis cúmplices da cama dividida.

Em plena efervescência do Regime Militar, João e Juliana, membros da Resistência à Ditadura que assolava as liberdades individuais, entram para luta armada e, consequentemente para clandestinidade. Acolheram então, Anselmo, que além de membro da organização em comum era um grande amigo, em seu humilde apartamento de quarto e sala, mais conhecido na linguagem da época por “aparelho”.

Eram tempos difíceis, em que o medo e pânico assombravam aqueles militantes. Mas, a compaixão, o humanismo e o amor sublime pelo semelhante superavam qualquer impedimento. Assim, Anselmo permaneceu no esconderijo ofertado pelo amigo João, aos cuidados da companheira Juliana.

Nas manhãs ensolaradas, Anselmo desfrutava dos banhos de sol na estreita sacada do sétimo andar, obviamente na companhia da mulher do amigo. Enquanto, João em suas atividades e ações, se ausentava na maior parte das horas do dia ou da noite, somente ocupando seu leito conjugal às altas horas.

Exausto, abatido e pálido ignorava que em seu afastamento sua cama era preenchida pelo suposto amigo Anselmo. Até se surpreender com os entre olhares dos amantes.

Não obstante, à decepção dolorosa pela traição da mulher e do amigo, ainda caiu nos porões do Doi-Codi. Eis que, os amantes se abstiveram de qualquer esforço em proteger o companheiro. Bastou o primeiro tapa, no interrogatório da polícia repressiva, para que Anselmo entregasse Juliana e esta, sucessivamente entregasse João.

Na prisão, João amargou a mais profunda solidão sofrida da traição e da deslealdade. Apesar de compreensivo e, até benevolente demais, tenta ainda hoje, justificar a falta de caráter de ambos amantes com a culpa indevida pela sua ausência no leito conjugal.

Indignada, o interrompo e afirmo que não se trata de falta de atenção. Muito pelo contrário, a questão em voga é a ausência de afeto que além, de Imoral é também, Antiética.

Contudo, ele continua: - Talvez, Juliana tenha tido seus motivos. Eu estava tão magro, sem atrativos e estressado que falhei na questão sexual. Daí, ela se viu carente.

Como neurótica que sou, percebo que João não se sente capaz de ser merecedor da felicidade, toda a culpa do mundo é carregada nas costas. Talvez, a teoria Jungiana tenha razão. Pois, João não é o responsável pela traição de Juliana. E, "se apesar disto, ainda for atormentado por sentimentos de culpa, deve refletir então, sobre os pecados que não cometeu e que gostaria de ter cometido. Isto poderá eventualmente curá-lo dos seus sentimentos de culpa relativamente à sua ex-mulher."

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

De repente, a culpa se manifesta por atos irrelevantes...

"É uma ideia tola, que os homens têm. Eles acreditam que eros seja sexo, mas está errado. Eros é relacionamento." Jung


Felipe agora, se recusa a dormir na cama que dormira por anos ao lado de Karina, por quê ?


Nesse leito, Karina encontrou seus orgasmos e no mesmo, foi idealizado o ninho do casal entre murmúrios ofegantes e entrelace das pernas cansadas, gerando o fruto desse amor imaginário, das conversas ao pé do ouvido nas noites insones, das gargalhadas compartilhadas e, ainda das lágrimas após as brigas, das febres enfermas, da espera do outro e do descanso protegido.

Essa alcova tão sublime de um amor perdido, ainda mantém o seu aconchego pela pureza, a segurança da limpeza e o encantamento do perfume adocicado.

Em outras... Felipe, jaz sem garantia pelas fantasias efêmeras voláteis. Logo, se encontra sujo e, por isso não se sente mais digno desse repouso.

Pois, "sua esposa é uma mulher especial, com a qual ele deveria ter uma relação especial" (Jung in Sobre o Amor).

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Não te amo mais ! Mas, tenho ciúme e projeto minha insegurança em você...

“O ciumento sempre acha estar-lhe sendo roubada a pessoa amada” M. Klein

Após, mais de um ano sofrendo intensamente a separação de uma relação duradoura, Carolina se permite uma nova relação. Mas, espantosamente, o ex-marido que havia lhe abandonado para viver uma paixão clandestina, agora comporta-se possessivo e viscoso diante do relacionamento da ex-mulher.

Em discussão acalorada, por cobranças absurdas e impertinentes, Clóvis, demonstra através de sentimento contraditório, seu incômodo latente pelo ciúme.

- Esperei sua volta por mais de um ano. Esqueceu que foi você que me abandonou ? Agora, está com ciúme. Ressaltou Carolina.

- Esperou nada, você nunca quis a minha volta ! Rebateu Clóvis. 

Com a falência conjugal, Carolina viveu seu luto na mais completa solidão. Amargou na depressão a baixa-estima oriunda do abandono e sofreu a dor da perda do homem amado. Já Clóvis, emendou uma nova união sem intervalo de luto. Até porque, não amava a ex-mulher há tempos.

Acontece que, é notória a ausência de identidade afetiva de Clóvis, cuja imagem é refletida de forma invertida no espelho. E, assim, transfere para Carolina os seus sentimentos ocultos da insegurança, da desconfiança e da deslealdade.

Contudo, restou demonstrado a impossibilidade de Clóvis em amar e, obviamente se sentir correspondido. Mas, por que almeja esse amor de Carolina, se não foi capaz de dar garantias de seus sentimentos ?

O ciúme desse ex-marido está ligado à posse, num delírio psicótico, como se a ex-mulher fosse seu objeto de desejo. Revelando sua intenção de féri-la e puni-la.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

"Só uma pessoa sem afeto recua diante da dificuldade do amor"

"Certamente as dificuldades das condições de vida e as adversidades da luta pela existência nos oprimem, mas situações externas graves não impedem o amor, muito pelo contrário, no caso elas poderão até nos estimular a realizar grandes esforços." Jung

Muitos casamentos tendem às crises perante as dificuldades financeiras, principalmente do marido, cuja interferência sócio-econômica no padrão da família é o bastante para que o homem sinta-se diminuído e inferiorizado. Enquanto, na mulher as questões ligadas aos problemas de saúde ou perdas significativas dos entes queridos são o suficiente para  abatê-la, diante dessas contingências.

Contudo, Matilde e Jonas passaram por esses momentos conturbados. Sendo que a primeira crise de ordem financeira enfrentada por Jonas fora facilmente contornada por Matilde, inclusive serviu até para uni-los ainda mais. Depois, veio a doença dos sogros em que também, Matilde em sua lealdade conjugal enfrentou a ausência do marido, mantendo-se solidária e compreensiva. 

Todavia, Jonas não fora suficientemente grato aos esforços e as privações da mulher, decorrentes  de tais dificuldades. Muito pelo contrário, seu egoísmo e ausência de afeto o cegaram quando Matilde vivenciou uma drástica perda familiar. E, por derradeiro um sério problema de saúde capaz de fragilizá-la.

Por coseguinte, quando Matilde conseguira resolver seus problemas e, estava em completa harmonia com total ausência de conflito, por conta ainda, do restabelecimento financeiro de Jonas, a decepção rasgou todos os seus planos futuros.

Não somente, Jonas estava fortalecido economicamente, sem dívidas e estabilizado emocionalmente, como também, estava seguro do amor eterno da mulher, cujas dificuldades foram enfrentadas lado a lado do marido. Tanto, na tristeza, na pobreza e na doença. O que não fora o bastante, para que Jonas valorizasse o relacionamento. Abandonando assim, impiedosamente e sem remorsos a família pela amante.

Na verdade, "fazer tudo por amor a uma pessoa é uma característica da mulher". Tanto que, "uma mulher que ama pode segurar uma situação contra qualquer poder superior, contra a morte e o demônio, e com total convicção criar estabilidade no caos". (C. G. Jung in Sobre o Amor)

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

"O inconsciente ao céu aberto"

“Na psicose vemos se revelar, e da maneira mais articulada, essa frase, esse monólogo, esse discurso interior.
(…) No discurso alucinatório, o discurso do inconsciente está literalmente presente” Lacan


Quando Aníbal deixou Clara, o fez de maneira tão surreal que ela mesma não podia acreditar no acontecido. Perpléxia, diante daquele abandono infundado, das injúrias e acusações sofridas, pôs-se a questionar o por quê.

Aníbal em pleno regojizo de vindança, disse-a: "Eu avisei".

Mas, que aviso foi esse ? Que durante tanto tempo, apenas Clara foi vítima contumaz das ameças de seu companheiro, cujas mesmas éram sempre de um monólogo imperativo: "Se algum dia me deixa, juro que acabo contigo".

Naquela carência absurda de não se sentir amado, ou mesmo, capaz de amá-la, Aníbal torturava Clara com suas cobranças sexuais quase que diárias. Bastava que a companheira estivesse em seus períodos menstruais para que começasse o mau humor até as grosserias.

Nada era o suficiente para satisfazê-lo, existia sempre as desconfianças de infidelidade por parte de Clara, que jamais dava motivos para tal. Aquela paranóia permanente e as alucinações constantes enfraqueciam qualquer forma de diálogo aberto. Levando então, a companheira a ser prisioneira daquele homem inseguro, a fim de evitar descontentamento culminando em discussões intermináveis pela madrugada.

Muita e muitas vezes, sem clima romântico Clara permitia que Aníbal despejasse suas frustrações de macho na alcova fria, apenas para agradar seu instinto primitivo. Sendo, constantemente inócuo, dado as cobranças de orgasmos impossíveis diante daquele verdadeiro estupro consentido.

Aníbal acusava-a de frigidez por conta de uma imaginária traição, exigia explicações pela falta de desejo e a punia com as palavras mais cruéis ao imputá-la a falta de amor. Mas, como auferir qualquer defesa, ou diálogo ? Se ele mesmo utilizava das palavras numa tentativa de linguagem delirante. Não havia nada a ser dito, eis que ele próprio colocava palavras como verdade absoluta na boca da companheira.

Não obstante, todas às vezes em que Clara expressava seu desejo, entregando-se de corpo e alma ao companheiro, que desfrutava daquela paixão genuína na completude do êxtase dual, na manhã seguinte era motivo para mais um monólogo delirante de Aníbal.