... Em sentimentos que envolvem o universo feminino, pois “Não se nasce mulher: torna-se.” (Simone de Beauvoir)
A dualidade de sentimentos que envolvem o Universo Feminino.

São tantos os sentimentos em busca da identidade feminina, cujos contratempos das emoções transbordadas vão do êxtase secreto à cólera explícita...

Esse blog é um espaço aberto acerca de relatos e desabafos relativos as alegrias e tristezas, felicidades e angústias... Sempre objetivando a solidariedade e ajuda ao próximo.

domingo, 16 de julho de 2023

O perdão tardio

Morte era desafio. A morte era uma tentativa de comunicar, a pessoa sentindo a impossibilidade de alcançar o centro que, misticamente, lhe escapava; a proximidade se desfazia; o arrebatamento se desvanecia; estava-se só. Havia um aconchego na morte. 

                                                           Virginia Wolf, in Mrs. Dalloway



Ela desce vagarosamente as escadas tão abatida e atônita que está estampada a melancolia com seu olhar perdido no infinito. Um infinito finito de esperança pelo sofrimento desses longos anos de solidão. Os anos passaram rápido demais levando toda sua beleza e o frescor da jovialidade. Aquela moça tagarela de risada fácil e gargalhadas altas está muda diante da velhice dolorosa pelos planos fracassados. Esquecida pela vida vive trancada numa longínqua casa minúscula nas montanhas. Nos dias frios nem as janelas são abertas e, apenas sua silhueta é vista pela transparência das cortinas sentada perto da lareira lendo. Mas, hoje está mais triste ainda do que de costume mesmo indo ao encontro do sol, depois da longa tempestade pelo pranto da morte de Francisco. 

Ainda de luto veste preto e tem apenas um buquê de flores brancas na mão esquerda adornada pela aliança dupla no dedo anelar para despedir-se tardiamente do finado, cujo perdão atrasou demais. Talvez, agora volte a viver e saia do silêncio forçado. Assim, possa sorrir novamente.

 

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Sem passado num futuro incerto...

"Minha morte começou há muito tempo e habituei-me a ver meu passado separar-me de mim." Simone de Beauvoir in Balanço Final

 


A finitude sempre foi muito dolorosa e abre-se um vazio imenso incapaz de preenchimento. No decorrer da vida nunca soube lidar com essas perdas e o luto fica suspenso pelo sofrimento. A solidão toma conta da minha existência como uma sanção imposta e sinto-me morta. Pois, meu passado torna-se tão longínquo que me esqueço da felicidade de outrora e mergulho nas lembranças tristes com a estagnação do presente. O temor de um futuro incerto só aumenta meu sofrimento pelo vazio do pretérito. 

São dias cinzas e noites escuras, sem que eu possa perceber a luz solar dos verões tropicais e aquecer meu espírito, assim também é a ausência da luz lunar e estrelar no início das primaveras. Vivo completamente mergulhada no inverno gélido ruminando meus fracassos.

terça-feira, 9 de junho de 2020

Barganhas...


Eu não vou negociar com você ausência, nem tristezas pela falta. Já passei por muitos acordos violados e preenchi as lacunas com outros desejos. Agora, minha solidão me basta seja acompanhada de uma boa leitura ou do prazer de um bom vinho tinto ao som da música preferida e, até mesmo a fumaça do cigarro nos devaneios de pensamentos são capazes de ocupar meus finais de semana. Quando quiser a minha presença apareça se eu estiver disponível e na manhã seguinte nem sempre estarei disposta a compartilhar o café-da-manhã pelo cansaço da intensidade da noite anterior. Então, quero vivenciar o aqui e agora. Pois, não sei se há tempo para planos futuros.  

Mulher Lendo - Pierre Auguste Renoir

quinta-feira, 4 de julho de 2019

Partida...





Eu ali parada no tempo e no lugar olhava para trás e o avistava reverso a mim. Sua imagem se distanciava cada vez mais às minhas súplicas. Olhava para frente e via a multidão de costas seguindo em frente. 

Minha visão estava turva pelo borrão da maquiagem que se derretia no jorrar do pranto. Estava tão absorta com a sua partida sem explicação que me senti completamente abandonada. 

Mirava novamente a retaguarda e já não havia mais sinal algum seu, que se esvaiu como a fumaça do meu cigarro dissipada ao ar. Na minha dianteira já não havia mais ninguém. 

Então, sentei no banco da praça e chorei mais ainda secando todo o sofrimento daquela perda até o cair da noite.

A raiva por sua partida me impulsionou continuar solitária até o trajeto de casa. Passei pelo portão rapidamente sem cumprimentar os vizinhos desocupados que esperavam seus familiares e adentrei pela porta dos fundos com vontade de quebrar tudo. 

Fui ao quarto e abri o seu armário tirando todas as suas roupas num rompante desesperado de ódio. Pensei em atear fogo, rasgar tudo, mas percebi que deixara somente as peças que o presenteei nas datas especiais. 

Sentei na beirada da nossa cama e percebi a aliança deixada sem cerimônia sobre a colcha. Nem se despediu, mas se desfez de todas as lembranças. 

Era covarde demais para enfrentar meus questionamentos sobre o rompimento. Mas, também não há explicação para o desamor. De repente, o sentimento se tornou pueril e sem motivos.

O ninho vazio..."

 
"A Dor da Saudade" - tela em óleo

Escuto as crianças em bando cantando e vou à varanda vê-las passar alegremente uniformizadas para algum evento extraescolar. Lembrou-me de você pequeno na volta da escola saltitante com sua mochila grande cheia de histórias em minha direção para o abraço apertado que apelidava de "upa!", ansioso para contar as novidades do dia na fala tatibitate quase inteligível com seus olhos brilhantes. Aí, você me entregava a mochila e pegava seu velotrol e saía pedalando pela praça se distanciando no limite do meu olhar até retornar cansado e irmos para casa. Aos finais de semana do verão o sol nos chamava para praia e caminhávamos de mãos dadas até a areia, quando você afoito soltava minha mão e corria em direção ao mar acelerando meu coração com medo da sua perda. Na memória fica sua imagem partindo com os cabelos cacheados castanhos claros esvoaçantes pela brisa marinha, mas eu pego você de volta e trago para junto de mim. Saudosa de sua infância me emociono por não ter mais no presente o abraço no fim do dia quando você chegava da faculdade. Agora distante pela geografia imagino sua volta da labuta do dia cansado sem a alegria da infância com a mochila vazia. A fase adulta nos furta a ludicidade da vida feliz trazendo a angústia do futuro incerto e, assim supro sua ausência pelas lembranças, já que não posso mais trazer você de volta para casa.

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Solidão da maturidade...

"Eu não sou tão triste assim, é que hoje eu estou cansada." Clarice Lispector

tattooer_nadi


Nesse amanhecer cálido de primavera, a saíra fêmea já canta na varanda, solitária como eu vem me fazer companhia no café-da-manhã. Parece que seu macho também voou para outros ninhos e seus filhotes partiram para novos campos. O café esfria rápido, talvez porque eu demore mais para beber em devaneio pela sua ausência e o pão não tem mais aquele sabor da manteiga fresca que você passava para me oferecer. Nessa primeira refeição do dia como nas demais estou inapetente sem a sua presença. Queria tanto voltar ao passado, lhe dar a mão e ficar sentada observando o canto dos pássaros como fazíamos nas manhãs dos desjejuns até a hora de sairmos para o trabalho. Sinto falta do beijo de despedida temporária das manhãs e o de retorno noturno. Às vezes, penso que deveria ter sido mais diligente com nosso amor e pouco cuidadosa com os afazeres da casa, com a criação das crianças e com as horas extras do trabalho no escritório que me faziam atrasar para o jantar. Talvez, ficaria menos cansada e poderia ser mais fogosa no apagar da noite. Pois, muitos foram os adormecimentos antes de você vir para cama. O adiamento do sexo para os finais de semana que foram se espaçando pelos outros compromissos até a chegada da menopausa com a perda da libido. 

É difícil conciliar a vida útil do cotidiano cheia de atividades com o amor. Agora, que as crianças cresceram e bateram as asas tenho mais tempo. Mas, você se foi e não somente os dias são longos e as noites frias, como a casa está grande demais e silenciosa. Restando-me apenas, a companhia da saíra abandonada.
"É na insônia das cabeças pensantes que ela aparece timidamente... Curiosa... Então, ela, a Lua, se faz companheira das reflexões do dia e testemunha os sonhos do amanhã."

Pintura - Tina Spratt


Impregnada pelas cobranças da vida, Katyusca, não consegue adormecer, mesmo exausta vira de um lado para o outro na cama. Acende o abajur e tenta ler o livro que está na cabeceira, mas seus pensamentos estão longe impedindo a concentração. Fecha-o e coloca novamente no lugar, então pega seu diário e rascunha escritos de suas angústias vigiada pela lua que se emociona com sua solidão. A chuva a interrompe no desabafo solitário pelas gotas caindo no assoalho perto da janela que a faz levantar e sentir o aroma da terra molhada com o frescor da madrugada. Havia tempos que não se emocionava e a água lavando seu rosto a fez chorar até esgotar todo o pranto contido. 

De repente, sua mente se fez vazia e o cansaço da emoção lhe levou ao sono acompanhado das histórias oníricas em que André voltava para casa trazendo um buquê de flores do campo perfumando o ambiente até chegar ao quarto, aonde se amariam intensamente sem nunca mais partir e preenchendo o vazio da saudade. Inebriada pelo sonho não acordou na hora marcada pelo relógio a disparar o alarme e vivenciou a fantasia daquela paixão perdida como se fosse real. Nem mesmo, o compromisso da audiência de divórcio naquela manhã seguinte foi capaz de impedi-la resgatar sua vida de felicidade pretérita. Talvez, jamais acordaria para evitar a dura realidade da vida.