... Em sentimentos que envolvem o universo feminino, pois “Não se nasce mulher: torna-se.” (Simone de Beauvoir)
A dualidade de sentimentos que envolvem o Universo Feminino.

São tantos os sentimentos em busca da identidade feminina, cujos contratempos das emoções transbordadas vão do êxtase secreto à cólera explícita...

Esse blog é um espaço aberto acerca de relatos e desabafos relativos as alegrias e tristezas, felicidades e angústias... Sempre objetivando a solidariedade e ajuda ao próximo.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Um dos retratos da alma...

"O modo como nos vestimos revela muito sobre nosso modo de ser. Ao escolher uma roupa, acessórios, cortes de cabelo, estamos, muitas vezes sem perceber, dando um depoimento 'mudo' do que somos."  Sylvia Labrunetti



O Teatrinho de Máscaras...



Amada pequena menina,

Os astrônomos afirmam que as estrelas que hoje vemos reluzir começaram a arder há centenas de milhares de anos e talvez hoje estejam se extinguindo. Tal é a dimensão de distância que nos separa delas, até mesmo para um raio de luz que, sem se cansar, percorre mais de 40.000 milhas em um segundo.

Sempre foi difícil para mim imaginar isso, mas agora posso fazê-lo com facilidade quando penso como você sorri diante de minhas cartas cordiais, enquanto minha alma sofre com dúvidas e preocupações, e quando penso como você se aborrece com a minha dureza e a minha desconfiança, enquanto uma medida de ternura, que luta em vão para se expressar, me preenche.

Há dois caminhos para evitar esta incongruência. O primeiro seria me abster de relatar uma atmosfera que supostamente não vai durar nem uma semana. O outro seria fazê-lo mantendo um olhar sereno, acima do teatrinho de máscaras que a vida vai encenando conosco.

Desprezamos o primeiro caminho, o caminho da preservação, porque ele pode acabar levando ao estranhamento. Por isso, somos obrigados a fazer aquilo que o segundo caminho nos recomenda.

Imagine que cada duas horas dos quatro dias que se passam entre a minha pergunta e a sua resposta — não, mais 64 das 96 horas — estendessem a tal ponto por meio de pensamentos confusos a respeito de você que a pobre pessoa por fim não fosse mais capaz de distinguir esse intervalo de tempo de um mês ou de um ano.

Imagine quão vazios e, consequentemente, quão breves pareceriam os milênios durante os quais não pensamos em nada, e então você será forçada a admitir que o atraso dos acontecimentos que interessam ao astrônomo não será maior do que aquele que nós dois somos forçados a suportar por causa de seu veraneio em Wandsbeck.

O que nós, ligados de maneira tão íntima e tão insolúvel, teremos que fazer quando acontecer entre nós algo como aquilo que constituía o conteúdo de minhas últimas cartas. Se eu não estiver fisicamente exausto, vou empurrar para um segundo plano as poucas lembranças incômodas associadas aos meus esforços por você e me alegrar pensando em tudo de bom e de belo que vi em você, e em todos os sacrifícios que você fez por mim até hoje.

Você vai habituar-se a continuar amando o pobre homem, apesar de sua antipatia, de seus maus humores esporádicos e de seus julgamentos equivocados, e continuaremos a caminhar juntos alegremente. Se não me engano, hoje efetivamente você não é capaz de dedicar a mim todo o seu amor sem alguma dificuldade, e à custa de autocontrole — e eu só serei capaz de sorrir, ciente de minha vitória, quando você finalmente se tornar minha, seguindo o curso inevitável da natureza, como eu pretendia desde o começo.

Por isso alegre-se, amada Marthinha, o tempo há de chegar — se é que ainda não chegou — no qual tudo aquilo a que um dia você concedeu uma parte de sua estima se tornará uma sombra que não vai perturbá-la mais do que a mim mesmo.

Em breve, terei que retomar meu trabalho, que por meio de um hábito seguido com pontualidade primeiro se torna suportável e depois pode tornar-se estimado. Tenho diante de outros principiantes a vantagem de uma maturidade maior, e de maior consideração por parte dos superiores. Atualmente falta-me a confiança que vem de habilidades conquistadas pelo hábito constante, porém não me faltam conhecimentos teóricos nem a capacidade de observar o corpo humano como um simples objeto, sem me intimidar com as dores dos pacientes.

Durante os poucos dias nos quais me dediquei à cirurgia, realizei algumas pequenas operações com o bisturi, coloquei algumas ataduras com gesso e, por duas vezes, conduzi a anestesia de pacientes por meio de clorofórmio.

Das atividades que realizei, esta última é certamente a mais desagradável, pois a morte súbita durante a anestesia por clorofórmio, esse acontecimento temido por todos e incontrolável, faz com que o médico fique em estado permanente de excitação nervosa.

No quarto que me foi designado encontra-se também um menino pobre e perdido, cuja perna precisa ser diariamente lavada com o maior cuidado antes que seja trocado seu curativo, e eu não escapo dessa atividade desagradável e de pouco sucesso.

Os próximos três meses no departamento de cirurgia certamente vão melhorar visivelmente minha habilidades e, se alguma vez eu tiver de retirar do mais lindo dos olhos um grãozinho de poeira, as dores que a querida menina terá de enfrentar nessa grande operação serão muito mais suaves.

Sorte de quem puder em breve ver estes olhos lindos reluzindo de amor ! Agora infelizmente Eli está tão apaixonado por Fritz que ele também não consegue largar de Martha e esse novo amor me custa tanto sofrimento quanto o anterior.

Um consolo são agora as três irmãs iniciadas, que sempre conversam, e com as quais pode-se falar de Martha, e que me parecem melhores e mais maduras, como se entendessem como a nossa vida mudou.

Elas também contam algumas coisas com as quais se poderia provocar a Marthinha num momento alegre, por exemplo como ela nos criticou uma vez na casa dos Weiss, e eu sou obrigado a rir quando me lembro quanto ela foi castigada por isso.

Amanhã voltarei a escrever uma cartinha, o dia de hoje é tão irritante e perturbador. Vamos fazer com que passe depressa, para dar lugar a um outro, melhor.

Com cordiais saudações à única e querida menina amada,

Teu Sigmund.

Não tire minha solidão... Se não é capaz de me ter inteira.

"Precisamos resolver nossos monstros secretos, nossas feridas clandestinas, nossa insanidade oculta. Não podemos nunca esquecer que os sonhos, a motivação, o desejo de ser livre nos ajudam a superar esses monstros, vencê-los e utilizá-los como servos da nossa inteligência. Não tenha medo da dor, tenha medo de não enfrentá-la, criticá-la, usá-la." Michel Foucault




Já havia bastante tempo exilada em meu mundo, entregue à minha pequena biblioteca literária, vivendo meu ostracismo produtivo. Quase não tinha vida social, senão nos encontros semanais do jornal. Até que, perante tantas desculpas pela ausência, resolvi despretensiosamente aceitar um convite de festa. 

Revisitei meus vestidos e como toda mulher que um dia fora vaidosa, inevitável a indecisão. A cadeira do quarto foi se acumulando dos tantos vestidos que nem mais imaginava que tinha, para finalmente escolher o mais clássico. Era um bem antigo tubinho preto rendado de comprimento a dois dedos dos joelhos. Para combinar bastava um par de sapatos pretos tipo scarpin, que já nem sabia se conseguiria me equilibrar. Havia tempo que não usava salto alto. 


Enquanto tomava meu banho, separei o vestido juntamente com os sapatos e bolsa combinando, um par de meias finas pretas, um colar de pérolas com brincos também em pérolas. No chuveiro ainda, titubeava se iria ou não a tal festa, sentia preguiça em me arrumar.


De banho tomado, fui me vestindo aos poucos, a caixa de jóias trancava lembranças do passado, mas evitei pensar, sendo que quase por impulso peguei na aliança. Porém, bastava um belo anel de pérolas com brilhantes para compor. Diante do espelho percebi o quanto meu rosto perdera o brilho e, não somente as marcas da idade, como também o divórcio havia me envelhecido. Tendo em vista, a desagradável surpresa pelos anos passados desapercebidos antes, resolvi caprichar na maquiagem favorecendo meus olhos negros delineando-os com lápis e rímel; a tez branca preenchi com pó compacto mais escuro e finalizei com um batom carmim. Nos longos cabelos fiz uma trança.


De repente, me vi bonita e desejável novamente, se não fosse a melancolia das gotas de Giogio, que me trouxera uma época feliz pretérita que não voltaria mais.


A noite foi agradável e me surpreendi com tantos olhares admirados, pois ainda me fazia bela. Até que conheci um belo homem que se aproximou puxando assunto que me interessou. Alto e bem vestido, aparentava idade compatível com a minha, uns poucos anos a mais. Culto e bastante gentil, as horas transcorreram em segundos entre algumas taças de espumante, sem que eu percebesse. Trocamos telefones e nos despedimos ali mesmo, apesar da insistência em me levar em casa.


Dormir o sono dos justos, ao ser acordada pelo galante da noite anterior, num convite para almoço, que recusei por afazeres e responsabilidades domésticas. Talvez, meu inconsciente soubesse do impedimento que estava por vir. 


Não tardou a recusa, para que ele insistisse em novo encontro marcado que cedi e novamente, a indecisão dos vestidos. Desta vez, ousei num longuinho estampado de costas nuas, sandálias e bolsa vermelhas com bracelete em prata e maquiagem suave. Bastava uma água de colônia, cabelos soltos e lá estava ele a minha espera, muito bem vestido com camisa em tom rosa pastel e calça social.


Como um bom cavalheiro, fomos a um excelente restaurante, apesar da minha inapetência. Nossas conversas eram intermináveis e havia sempre uma gentileza inevitável de não apreciar, entre as taças do tinto português dei boas gargalhadas. Acabamos esticando numa casa de samba na Lapa. 

No dia seguinte, comecei a me sentir desejada e valorizada por todos os gestos de carinho, romantismo e quase permiti me relacionar novamente. Se não fosse, a decepção do príncipe transformar-se em sapo. Pois, aquele homem que me cortejava era casado e havia mentido para mim. 

Assim, recolhi-me novamente ao ostracismo e comungo das companhias literárias. Já que, jamais faria com alguém àquilo que não gostaria que fizessem para mim.
  

Perder o passado... Com dúvidas quanto ao futuro.


segunda-feira, 17 de março de 2014

Solidão...

"A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, e que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro. O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e de ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes da emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto da sua fria e desolada torre."  Vinicius de Moraes




Amei muito àquele homem solitário, cuja solidão sempre lhe foi soberana impedindo-o de amar. Jamais, consegui uma troca em sentimentos genuínos, eis que seu egoísmo emocional prevaleceu. O individualismo do prazer imediato não o possibilitou reconhecer que o amor está na relação como um todo e, não simplesmente, no domínio e na subjugação do outro.

Na sua busca incontrolável de receber, esqueceu-se de doar. Ou talvez, nem saiba que uma relação se constrói com doação bilateral, sem cobranças ameaçadoras de atenção, sem desconfianças... Carinho não se esgota quando é receptivo, mas necessita ser demonstrado. 

A insegurança cometida pelo ciúme desmedido, ao invés de lisonjear o ego, na maioria das vezes magoa pelo falta de confiança. E, confiança é um sentimento uníssono para uma relação verdadeira, jamais podemos esconder do outro nossas inseguranças e medos. Pois, o relacionamento se faz com cumplicidade. 

Nunca soube, na verdade, o que ele pensava ou quais planos e projetos almejava, sua individualidade era tão secreta que pouco participei da sua vida. Apesar, de confidenciar todos meus desejos e segredos, nossa relação era uma via de mão única, ele me tinha nas mãos e sabia tanto de mim que a minha vida era conjugada. Eu estava entregue e totalmente desnuda, mas ele não.

Quando me descartou, o sofrimento foi aterrador e até hoje não tenho as respostas porque ele se foi. Pois, ele revelou todos os meus segredos, me expondo de forma vingativa por seu fracasso afetivo. Porém, soube que o amor era tão somente meu e seu pavor da entrega demonstra claramente sua necessidade de estar no comando para se sentir amado. 

terça-feira, 11 de março de 2014

Sem tempo de ser feliz...


"Somos uma sociedade de pessoas com notória infelicidade: solidão, ansiedade, depressão, destruição, dependência; pessoas que ficam felizes quando matam o tempo que foi tão difícil conquistar." Erich Fromm


Na contra-mão da felicidade...

“Às vezes me lembro dele. Sem rancor, sem saudade, sem tristeza, Sem nenhum sentimento especial a não ser a certeza de que, afinal, o tempo passou. Nunca mais o vi, depois que foi embora. Nunca nos escrevemos. Não havia mesmo o que dizer. Ou havia? Ah, como não sei responder às minhas próprias perguntas! É possível que, no fundo, sempre restem algumas coisas para serem ditas. É possível também que o afastamento total só aconteça quando não mais restam essas coisas e a gente continua a buscar, a investigar - e principalmente a fingir. Fingir que encontra. Acho que, se tornasse a vê-lo, custaria a reconhecê-lo.”
Caio Fernando Abreu



De repente, estávamos novamente diante um do outro, apesar do contato indireto por telefone, mensagem ou correio eletrônico, para as formalidades e as responsabilidades dos nossos filhos. Não sentia mais qualquer sentimento de rancor ou mágoas, e tampouco o sofrimento causado da rejeição pela traição foi capaz de anular todo afeto que ainda, existia. 

A análise havia me fortalecido para enfrentar o abandono e o término daquele amor de anos, cuja ruptura havia me adoecido. Tantas e tantas vezes, imaginei que não suportaria tal dor. Mas, o amor, quando é genuíno, aceita e entende mesmo que se a felicidade do outro é estar em outras sintonias. Então, por mais que ele não me quisesse e estivesse feliz, já me bastaria por toda a nossa história. Agora, eu me comprazia em ter participado por tantos anos em sua companhia. 

Nos cumprimentamos normalmente e seguimos para o restaurante, como uma família em um almoço de fim de semana. Entretanto, no decorrer da refeição sua agitação era notória, em nenhum momento ele me olhou nos olhos e pouco me deixou falar. Sua ansiedade em explicitar seus conhecimentos e notícias me deixaram cansada com tanta informação, das quais se reduziram em um monólogo. Às vezes, transparecia insegurança e me senti uma estranha. Mas, na verdade, ele é que havia se tornado um estranho. 

Logo, um descontentamento tomou conta de mim, olhei àquele homem que no passado havia sido a grande e única paixão da minha vida, capaz de mudar o rumo dos meus projetos de futuro e, agora sentia piedade dele. Pois, toda sua beleza e vaidade havia se esvaído, tornando-o envelhecido e desgastado. Seu olhar já não tinha doçura de antes; seus cabelos perderam o brilho, o corte adotado não o favorecia; sua pele estava ressecada e muito queimada de sol; o desleixo pela falta de vaidade se refletia até na vestimenta inapropriada que intensificava sua magreza excessiva. 

Nunca imaginei que o desconheceria desta forma. O sofrimento que fora a causa do meu envelhecimento precoce pelo abandono afetivo, também parece ter repercutido muito maior nele. Algo estava na contra-mão da felicidade e o preço foi alto demais. 

sábado, 1 de março de 2014

E, o Amor... Tornou-se descartável ?

“... desesperados por terem sido abandonados aos seus próprios sentidos e sentimentos facilmente descartáveis, ansiando pela segurança do convívio e pela mão amiga com que possam contar num momento de aflição, desesperados por 'relacionar-se'. E no entanto desconfiados da condição de 'estar ligado', em particular de estar ligado 'permanentemente', para não dizer eternamente, pois temem que tal condição possa trazer encargos e tensões que eles não se consideram aptos nem dispostos a suportar, (...). O amor pode ser, e frequentemente é, tão atemorizante quanto a morte.” (Zygmunt BAUMAN in Amor Líquido)