... Em sentimentos que envolvem o universo feminino, pois “Não se nasce mulher: torna-se.” (Simone de Beauvoir)
A dualidade de sentimentos que envolvem o Universo Feminino.

São tantos os sentimentos em busca da identidade feminina, cujos contratempos das emoções transbordadas vão do êxtase secreto à cólera explícita...

Esse blog é um espaço aberto acerca de relatos e desabafos relativos as alegrias e tristezas, felicidades e angústias... Sempre objetivando a solidariedade e ajuda ao próximo.

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Os bouganvilles florescem...

"Chorei três horas, depois dormi dois dias. Parece incrível ainda estar vivo quando já não se acredita em mais nada. Olhar, quando já não se acredita no que se vê. E não sentir dor nem medo porque atingiram seu limite. E não ter nada além deste amplo vazio que poderei preencher como quiser ou deixá-lo assim, sozinho em si mesmo, completo, total. Até a próxima morte, que qualquer nascimento pressagia."  
Caio Fernando Abreu, em Ovelhas Negras




Hoje tive que procurar meus exames na bagunça da última gaveta do móvel no quarto do novo apartamento. Nem faz um ano que mudei e ainda não arrumei direito a sala e o quarto, com quadros separados no canto esquerdo da sala, papeis e documentos amontoados na desordem das gavetas do quarto. Mas, tenho que ir ao médico e levar meu arquivo de exames. Agora, vou sozinha aos consultórios e atravesso a monotonia das salas de espera sem uma mão dada à minha. 

Morrer novamente não é fácil. Reviver os sufocos do passado na solidão do presente é mais difícil ainda. A ansiedade da dúvida me angustia muito. Mas, não tem jeito. Sou obrigada a enfrentar a possível iminência da morte, ou talvez, a esperança sofrida do tratamento doloroso da doença. Sem coragem para contar ao namorado de ocasião. Pois, quando o relacionamento é pueril não se pode contar problemas. 

Jorge ocupa um pequeno espaço de fim de semana alternados, dos quais não são suficientes para aquecer minha cama neste inverno. O curto tempo juntos não nos aproxima tanto para compartilharmos outros assuntos prementes. Apenas, a ludicidade de encontros perenes. No domingo ele se vai e na próxima chegada muita coisa já mudou, vez que nem sempre estou disponível e o vazio permanece.

Ontem, acordei surpresa com a bela sinfonia do canto de um pássaro altivo que não se intimidou com a minha chegada na varanda. Pude perceber que o bouganville fúcsia florescera e por conta da minha cegueira neurótica nem consegui enxergar durante esta semana tumultuada pelo medo. Sentei-me próxima e aproveitei a estética de seu pouso nas flores vibrantes com o canto alegre sentindo uma leve brisa tépida aquecida pelos raios de sol que me invadia a alma. Chorei e me lembrei que nesses quase oito meses de moradia nova não tinha visto nenhum dos pássaros que me visitavam todas as manhãs na antiga residência.

A rua é bastante movimentada com barulho do trânsito contínuo, a sujeira entra todos os dias pelas janelas e não há mais pássaros, nem o aroma verde das árvores. Mas, hoje o bendito pássaro voltou trazendo esperança diante do caos urbano como quem vem me trazer alegria. De agora em diante, ofertar-lhe-ei  água e laranjas doces para que volte sempre.  Até que um dia se canse de mim como você e procure novos sabores.