José Saramago in Caim
Ao adentrar na sala pela manhã trazendo as xícaras para o café da cozinha, pude ouvir um despertar esfuziante. - Bom dia, Mãezinha !
Animado para um encontro familiar, pude sentir o quanto ele ainda, clamava pela convivência com os irmãos. Na qual, era evidente a minha ausência e, mesmo assim, me comprazia com a sua felicidade e irmandade perante os seus.
No breve contato telefônico, de repente, vi na sua face um descontentamento tamanho, com seus lábios cerrando e num despenco convexo, seus olhos umedeceram opacificando o brilho do olhar de antes, desiludido e surpreendido por alguma negatória à expectativa, seu semblante se fez pesado.
Bradando ofensas grosseiras, explodiu em ira pela imposição paterna da presença da atual companheira, antiga amante que retirara o genitor de casa. Agora, a predileção dos afins pela algoz, o tornara forasteiro dentro do outro lado familiar. A cada ato de abandono emocional do pai, após nossa separação e, pela notória preferência explícita aos demais os distanciavam mais ainda, tornando meu filho rejeitado.
A presença ausente paterna, como apenas referência simbólica, roubou-o a leveza. Sua maturidade abrochou instantaneamente diante da impotência de lidar com a dor da perda, seu luto contínuo trouxera as mazelas do vazio existencial deixando-o rijo e amargo.
Assim, meu rebento estava condenado a vagar na escuridão do deserto da alma. Esquecido e preterido, me sentia culpada pela má escolha genética. Sabia que sua presença atormentava o pai com a lembrança personificada de nossa união de outrora. Bem como, gerava perigo a nova escolha de vida.
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