... Em sentimentos que envolvem o universo feminino, pois “Não se nasce mulher: torna-se.” (Simone de Beauvoir)
A dualidade de sentimentos que envolvem o Universo Feminino.

São tantos os sentimentos em busca da identidade feminina, cujos contratempos das emoções transbordadas vão do êxtase secreto à cólera explícita...

Esse blog é um espaço aberto acerca de relatos e desabafos relativos as alegrias e tristezas, felicidades e angústias... Sempre objetivando a solidariedade e ajuda ao próximo.

domingo, 16 de setembro de 2012

Liberdade...

"O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós." Jean-Paul Sartre


Na condição de mulher separada não me furto e muito menos me constranjo ao sentar solitária na mesa de um bar. Escolho um mais tranquilo, sem pessoas conhecidas e levo comigo um bom livro que será a minha companhia agradável da noite. O garçom gentilmente me traz um destilado e graciosamente infringe a norma da dose e deixa jorrar o famoso "choro". Cigarros, álcool e água gasosa na tentativa de dissolver a bomba dupla. Mas, ambas tem um único sentido; me relaxar do turbilhão de responsabilidades e problemas que me deixam ansiosa. 

Começo minha leitura, mas alguns fatos me chamam a atenção e me dispersam da concentração da narrativa do livro. Uma menininha de aproximadamente 4 anos de idade perambula em volta da mesa que estão um casal e duas mulheres, meu moralismo me alerta para o adiantado da hora para a menina em um bar, sem a menor atenção e entediada. Troco um olhar com a criança e basta para ela se aproximar languidamente num misto de timidez e tentativa de trocar alguma receptividade. Fico com pena e ofereço uma caneta e destaco uma folha do meu pequeno bloco de anotações. Seus olhos brilham pelo singelo gesto e já é o bastante para que ela se distraia num ambiente avesso à sua idade. O homem da mesa, naturalmente o pai, se comove com meu simples ato e lança a fatídica frase: "Agradeça à moça Isabela, diga obrigada". Ai, como deve ser chato para a criança a ordem de etiqueta social, afinal ela tampouco queria estar ali e apenas se sentiu acolhida pela caneta. Ora ! Que criança não se encanta com um pequeno instrumento lúdico que a faça rabiscar ?

Continuo minha leitura degustando o malte batizado com a água que imagino diluir minha solidão propositada. Evito olhar para a menina, a fim de impedir a distração do conteúdo que almejo absorver. A noite está agradável e de uma temperatura amena, como o livro me foi emprestado pelo meu ex-marido, acabo tendo vontade de trocar idéias com ele. Mas, sou impedida por imaginar que ele agora está ao leito com a outra. Rapidamente, me vem a mente que ele nunca se interessou pelos livros que gosto e, tampouco por política ou documentários do tipo. A nostalgia me toma a mente e sinto saudades de alguém que atualmente não conheço os gostos, os interesses e que seria tão providencial ao diálogo que não lhe interessava na época em que vivemos juntos. Meus olhos umedecem pela falta nesta altura da vida, cujo tempo já vai para mais de 40 anos e, dou um leve sorriso a mim mesma, ao lembrar que em poucos instantes que fui apontada como "a moça".  

De repente, à minha frente um casal apresenta um atrito que me desconcentra a leitura. Uma mulher de aproximadamente 30 anos, muito bonita, esbelta, com longos cabelos negros e trajando uma blusa do fluminense está chorando e o parceiro, também beirando a mesma idade e de camiseta do mesmo time, levemente obeso, sem qualquer atrativo, cara fechada, não responde uma só palavra da mulher. Ela falando baixo e entredentes, enxugando as lágrimas que insistem em revelar seu descontentamento e ele impávido. Surge alguns gestos bruscos em que ele tenta se desvencilhar de alguma solicitação, aparentemente parece ser as chaves ou, talvez, o telefone celular, não sei ao certo. Em súplicas ela se humilha e o homem torna-se mais irascível ainda, pouco se importando em expô-la aos outros da sua grosseria. Subitamente me dá uma raiva do protótipo arrogante e tenho vontade de falar alto para essa mulher que não precisa se rebaixar e interferir no desacordo da Bela e a Fera. Mas, quantas mulheres já não passaram por isso ? E, quantas vezes estive na mesma situação que me paralisava diante das grosserias do meu ex-marido. E, assim ele sai na frente e ela como uma colonizada pelo seu dono atrás.

Na outra mesa repleta de meia-dúzia de casais, os homens aparentando cinquentenários dão risadas comentando maldosamente o episódio e evidenciam expressões sexistas. Devem ser uns misóginos, penso eu. Então, volto ao livro e já não tenho saudade dos meus anos de casada. A liberdade de não ter que dar satisfações e mesmo sozinha curtir a minha própria companhia é um indício que não precisamos depender emocionalmente do outro para ter bons momentos. Pago minha conta e saio caminhando vagarosamente pelas ruas ao rumo de casa. Estou só, mas me basto. 

Enfim, parafraseando o filósofo existencialista em O Ser e o Nada: "Eu estou condenada a ser livre."

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