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Cuidado com o degrau!
Ele me alerta e retorna ao portão
segurando forte minha mão a me guiar até o terraço ensolarado. Pois, percebe
além da minha cegueira diurna pela fotossensibilidade, o descompasso vagaroso ainda
sonolenta em acompanhá-lo na sua ansiedade do horizonte matutino descoberto.
- Para te alegrar o astro sol veio
nos visitar. Olha que lindo dia!
Ainda inebriada e melancólica tenho
dificuldade momentânea em perceber a magnitude daquele amanhecer depois de dois
dias tempestuosos entocados na pequena casa da serra. Enfim, a luz nos desperta
dos tediosos dias chuvosos e ficamos por longos minutos quedados contemplando a
bela paisagem colorida ao infinito pelo distante arco-íris. Ele por detrás de
mim cruzando seus braços em torno do meu colo podia sentir as batidas do seu
coração ritmadas nas minhas costas e a fumada expirada dissipada no ar gelado matinal
como se pudesse sugar toda a minha tristeza me aquecendo novamente à juventude.
- Venha! Vamos nos preparar para
tomar o bom café com aqueles pães fresquinhos e o bolo de fubá que você tanto
gosta, lá na birosca do Seu Edgar. Depois, andaremos pelas alamedas dos Ipês
até você querer parar.
Assim, ele me conduziu ao quarto me
segurando pela cintura. Temperou a água do banho, prendeu meus cabelos e me
ajudou a tirar a roupa e entrar na banheira. Pacientemente esperou que eu
fizesse minha higiene sem interferir no meu pranto lavado escorrido pelo ralo.
Fecho as torneiras e ele me envolve
na branca toalha felpuda enxugando meu último soluço. Depois, de me vestir vejo
meu envelhecimento estampado no espelho pelo sofrimento desses dias cinzentos,
com sua imagem compassiva ao fundo. Viro-me e digo:
- Não quero bolo de fubá. Hoje quero
bolo de chocolate.
- Bom sinal. Você já demonstra
adaptação às mudanças.
Então,
descemos de mãos dadas a ladeira da alameda perseguindo nossas sombras pelos raios de sol perfurados das copas dos ipês num cadenciado assovio alegre.