"Não mais me deitar no feno perfumado ou deslizar na neve deserta.
Onde eu exatamente me encontro?
O que me surpreende é a impressão de não ter envelhecido, embora eu esteja instalada na velhice.
O tempo é irrealizável.
Provisoriamente o tempo parou para mim.
Provisoriamente.
Mas eu não ignoro as ameaças que o futuro encerra, como também não ignoro que é o meu passado que define a minha abertura para o futuro.
O meu passado é a referência que me projeta e que eu devo ultrapassar.
Portanto, ao meu passado, eu devo o meu saber e a minha ignorância, as minha necessidades, as minhas relações, a minha cultura e o meu corpo.
Hoje, que espaço o meu passado deixa para a minha liberdade hoje? Não sou escrava dele. Não sou escrava dele.
O que eu sempre quis foi comunicar unicamente da maneira mais direta o sabor da minha vida. Unicamente o sabor da minha vida.
Acredito que eu consegui fazê-lo.
Vivi num mundo de homens, guardando em mim o melhor da minha feminilidade.
Não desejei e nem desejo nada mais do que viver sem tempos mortos." Simone de Beauvoir
Numa etapa de um tempo, que reserva experiências vividas e novas descobertas a serem vividas, adentro no período da velhice física. É a época da menopausa, em que meu corpo se transforma chegando à maturidade. Da mesma forma, que adentrei na adolescência no passado quando menstruei.
São transformações inquietantes, se antes estava pronta para gerar vida, agora já não posso mais e meu útero se reserva a solidão perpétua, como se fosse um corpo estranho dentro do meu corpo.
Da mesma forma que minha fertilidade fica no passado, meus relacionamentos também ficam. Chego a nova era inteira e sem apêndices, talvez pronta para amar novamente, ou apenas livre como nunca estive.
Enfrentar a liberdade assim, tão presente quando jamais era esperada em tal etapa assusta. Eis que, esperava viver os tempos passivos na maturidade, mas os vivi antes e agora me resta a reconstrução para plenitude.
Tive muitas perdas consideráveis, como um longo casamento interrompido ao passo da maturidade por imaturidade, assim como o falecimento de pessoas queridas, umas nem chegaram a maturidade e outras se foram além da maturidade.
Como sempre o alvorecer de mais um dia é a certeza do presente a ser vivido, então deixo ao passado somente as lembranças. Reservando-as para complementar meus arquivos emocionais, cujas experiências são reveladoras para me reinventar. Pois, sobreviver é o preço que se paga pelas perdas vividas.
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