“Existe um desejo porque existe algo de inconsciente, algo da linguagem
que escapa ao sujeito em sua estrutura e seus efeitos; há sempre no
nível da linguagem alguma coisa que está além da consciência. É aí que
pode se situar a função do desejo.” Jacques Lacan
Na maioria das datas especiais eu presenteava Davi com perfumes importados. Vaidoso e sedutor ele gostava das essências marcantes amadeiradas doces e muitas vezes usávamos o mesmo perfume. Com o passar dos anos vivemos numa simbiose tão intensa que perdemos nossa própria identidade e tínhamos desde o mesmo cheiro até os mesmos gostos. Daí o imenso sofrimento e a dificuldade de me libertar na separação quando tudo se esvaiu pela traição que me causara tanta dor.
Segui em uma longa viagem ao exterior, onde dei por encerrado nossos vínculos emocionais. Refeita do golpe, antes de chegar à alfandega no retorno de casa entrei numa loja de presentes e comprei um frasco de perfume para nosso filho e outro presente qualquer sem importância afetiva para Davi. Recebida friamente na chegada entreguei os presentes à ele, inclusive o perfume endereçado ao nosso filho.
Tempos depois, numa festividade familiar em que somos obrigados a nos encontrar um mês antes de seu aniversário, Davi me solicita de presente um perfume e confessa que havia expropriado o perfume que eu endereçara à João. O símbolo de nosso rompimento se mantinha interrompido por Davi levar nosso cheiro para outra cama. Mas, eu não suportava fazer parte daquele fetiche. Pois, para que ele a desejasse era necessário estar comigo em suas fantasias patológicas.
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