... Em sentimentos que envolvem o universo feminino, pois “Não se nasce mulher: torna-se.” (Simone de Beauvoir)
A dualidade de sentimentos que envolvem o Universo Feminino.

São tantos os sentimentos em busca da identidade feminina, cujos contratempos das emoções transbordadas vão do êxtase secreto à cólera explícita...

Esse blog é um espaço aberto acerca de relatos e desabafos relativos as alegrias e tristezas, felicidades e angústias... Sempre objetivando a solidariedade e ajuda ao próximo.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

A Idade da Discrição



"Meu relógio parou? Não. Mas os ponteiros parecem não andar.
Não olhar para eles...
Pensar em outra coisa, em qualquer coisa: nesse dia que passou, tranqüilo e rotineiro apesar da agitação da espera.
Enternecimento do acordar...
André estava enrodilhado no leito, olhos vendados, mãos postas contra a parede num gesto infantil, como se no desamparo do sono tivesse necessitado experimentar a solidez do mundo.
Sentei-me à borda do leito, coloquei a mão sobre seu ombro.
Tirou a venda dos olhos, um sorriso desenhou-se em seu rosto espantado.

- São oito horas!

Coloquei na biblioteca a bandeja da primeira refeição. Peguei um livro recebido na véspera e já folheado pela metade. Cacetes todas essas lengalengas sobre a não-comunicação! Bem ou mal conseguimos nos comunicar, se o queremos. Não com todo o mundo, é claro, mas com duas ou três pessoas. Às vezes, acontece-me não falar a André sobre estados de ânimo, pequenos cuidados, tristezas. Sem dúvida, ele também tem seus segredinhos, mas grosso modo não ignoramos nada um do outro. Derramei nas xícaras chá-da-china bem quente, bem escuro. Bebemos enquanto percorríamos a correspondência: o sol de julho entrava em caudais no aposento. Quantas vezes ficamos sentados junto à mesinha, em frente um do outro e diante de xícaras de chá bem escuro e bem quente? Será assim, em seguida, em um ano, em dez anos?... Este instante possuía a doçura de uma lembrança e a alegria de uma promessa. Teríamos trinta ou sessenta anos? Os cabelos de André branquearam cedo; antigamente, aquilo parecia faceirice de sua parte: a neve realçando a frescura de sua tez. É ainda faceirice. A pele endureceu e fendeu-se, gretada como couro velho, mas o sorriso da boca e dos olhos guardou sua luz. Apesar dos desmentidos do álbum de fotografias, sua jovem figura se curva ante seu rosto de hoje: meu olhar não lhe reconhece idade. Uma longa vida com risos, lágrimas, cóleras, abraços, confissões, silêncios, impulsos, e parece, às vezes, que o tempo não passou. O futuro se esconde, ainda até o infinito. Levantou-se:

- Bom trabalho! - me disse.

- Para você também: bom trabalho."


Simone de Beauvoir, in A Mulher Desiludida

Um comentário:

  1. Ana querida, li seus textos e vi tanta mulher sofrida, oh que triste vida!!!!!!!!! Beijos.
    Zelia

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