... Em sentimentos que envolvem o universo feminino, pois “Não se nasce mulher: torna-se.” (Simone de Beauvoir)
A dualidade de sentimentos que envolvem o Universo Feminino.

São tantos os sentimentos em busca da identidade feminina, cujos contratempos das emoções transbordadas vão do êxtase secreto à cólera explícita...

Esse blog é um espaço aberto acerca de relatos e desabafos relativos as alegrias e tristezas, felicidades e angústias... Sempre objetivando a solidariedade e ajuda ao próximo.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Um jantar solitário...



"É assim que será preciso viver, talvez ainda com felicidade e momentos de alegria, mas com o peso da ameaça, a vida colocada entre parênteses. [...] De toda maneira, eu oscilava como ele entre o temor e a esperança. Meu silêncio não nos separou. Sua morte nos separa. Minha morte não nos reunirá. Assim é: já é belo que nossas vidas tenham podido harmonizar-se por tanto tempo." Simone de Beauvoir in A Cerimônia do Adeus

O apartamento era pequeno e mal conseguia abrigar todas as nossas lembranças que adquirimos anos e anos. Muitas coisas foram doadas à amigos, na minha esperança inútil de um dia reavê-las, tal qual nos pertencia. Cartas e documentos eram remexidos com a dor da perda, a cama que guardava nossas noites ficara grande demais atravancando o quarto, a sala agora minúscula não podia receber nosso mobiliário que anos reunimos a família em torno da mesa de jantar, nem os sofás que deitávamos para assistir nossos filmes podia entrar, o aparelho de som estava mudo e jamais tocaria as tantas canções que alegraram o antigo apartamento, ninguém do passado de outrora caberia agora na minha solitária moradia. 

Dei a sala cores berrantes em contraste com a antiga decorada em tom pastel que era bem alegre. Aproveitei a pequena varanda para fazer meu refúgio e coloquei duas cadeiras na esperança de um dia ele se sentar, embora seja mais do que improvável seu retorno. Ali, fiz um mini jardim com flores e ervas para tempero. Embora, esteja custando a pegar tais mudas, recusando-se inconscientemente renascer. Aproveito o espaço e faço minha pequenas refeições lembrando de um tempo em que fomos muito felizes, com jantares nos verões calorosos regados a bebida em harmonia com o menu. É nostálgico demais, lembrar das noites em que saíamos para furtar pequenas mudas para o nosso jardim de antes, em que todas as flores e plantas cresciam sem esforços. Talvez, fosse nosso estado de espírito que as alimentassem, o mesmo estado mágico inebriado de paixão que semeamos o meu ventre. 

O amor ora intenso, as vezes se castigava pela minha omissão em desvendar sua clandestinidade. A ameaça de findar-se me angustiava, por isso cedia tanto e remoía sua falta de compromisso. As estórias inventadas para escapar do laço afetivo se reduziu em nó. Mas, quando resolvi afrouxar o nó que por vezes me sufocava, ele arrebentou. Já não havia mais a elasticidade dos sentimentos amorosos. Reduziu-se em separação, deixando-me aturdida pela falta que enlaçara outra estória. 

Restou-me, o jantar sozinha, na mesinha unitária da varanda de lembranças, com uma taça cheia e outra vazia, no silêncio ensurdecedor do nada. Não há mais música e nem diálogo, o jardim murchou e existe somente lágrimas a temperar a comida insossa.     

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