"Se a mulher foi, muitas vezes, comparada à água, é entre outros motivos porque é o espelho em que o Narciso macho se contempla; debruça-se sobre ela de boa ou de má-fé. Mas o que, em todo caso, ele lhe pede é que seja fora dele tudo o que não pode apreender em si, pois a interioridade do existente não passa de nada e, para se atingir, ele precisa projetar-se em um objeto. A mulher é para ele a suprema recompensa porque é sob uma forma exterior que ele pode possuir, em sua carne, sua própria apoteose." Simone de Beauvoir in O Segundo Sexo
Eu estava tão reclusa mergulhada da minha solidão e me reconstruindo da separação que não tinha mais uma vida social. Já não recebia convites para festas, pois as pessoas acabam respeitando nosso ostracismo e passam a não contar com nossa presença na lista dos convidados.
Diante de um convite inusitado por um conhecido recente para acompanhá-lo à uma festa, despi-me da companhia do pijama, retirei o mofo do vestido e me arrumei para tal. Na última conferida ao espelho, vi-me cheia de vida, refletida como em tempos alegres.
Era um encontro ao acaso, já que não conhecia ninguém, senão apenas um dos convidados que ao chegar lançou-me um largo sorriso. Bem como, outros tantos. Então, não contive a satisfação dos olhares admirados de vários homens pela minha presença.
Uma canção do poeta batucava na minha cabeça:
"Por trás de um homem triste há sempre uma mulher feliz
E atrás dessa mulher, mil homens, sempre tão gentis
Por isso, para o seu bem, ou tira ela da cabeça
Ou mereça a moça que você tem"
A solidão era uma escolha e a desilusão me transformava numa nova mulher, segura das minhas qualidades, com a certeza de que eu saía limpa de um relacionamento, em que a outra parte por insegurança não teve a capacidade de me dar afeto.
Lembro-me dele altivo, alegre e até sociável na liberdade que o proporcionava viver ao meu lado. Talvez, o reflexo vislumbrado em seu espelho inconsciente fosse incompatível com seus sentimentos mesquinhos. Na verdade, o ele queria era ser dominado e jamais conseguiu lidar com a minha personalidade livre, sem a deslealdade.
Hoje, seu reflexo no espelho é tão medíocre pela escolha insensata que perdera sua alegria, não há mais brilho em seu olhar. Vive agora, uma falsa relação, da qual o reflexo é turvo, cheio de impurezas. Portanto, cerceado de ser ele mesmo.
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